Cidades e epidemias têm uma relação intrincada. Ao longo da história, cidades se constituíram como locais propícios à disseminação de doenças. Centros econômicos, sociais e culturais, vocacionadas para conectar ideias e desenvolver soluções, responderam às epidemias com inovação. Mas a melhoria do espaço urbano – com saneamento e fornecimento de água, construção de parques e espaços abertos, melhores condições de transporte – frequentemente veio acompanhada da recriação da cidade precária nas periferias.
Inequidade, aglomeração, falta de infraestrutura, poluição do ar. O mundo chacoalhado pela Covid-19expõe desafios da vida urbana com mais clareza do que o habitual. Relembrar como as cidades responderam às pandemias do passado ajuda a refletir sobre as mudanças mais urgentes. Muitos desafios das cidades de nosso tempo têm sua origem em tentativas passadas de fazer dos centros urbanos lugares mais sadios e acolhedores. Desta vez, temos de responder melhor.
Cidades e doenças: uma relação de longa data
O Renascimento foi um período profícuo para o pensamento sobre a cidade. Castigada havia mais de um século por surtos recorrentes de peste bubônica, a Europa viu surgir, entre filósofos, artistas e cientistas, idealizações de cidade utópicas. Por volta de 1486, Leonardo Da Vinci esboçou o projeto de uma cidade às margens do rio Ticino, pensada para facilitar o transporte de bens e abrigar espaços urbanos limpos. A largura das ruas era compatível com a altura dos prédios, garantindo a insolação tão rara na Milão de ruas estreitas e sujas da época.
Conhecedor das propriedades da água e do ciclo hidrológico, Da Vinci pensou a cidade de modo a conter inundações e garantir irrigação e navegação e garantir que pedestres não disputassem espaço com outras formas de tráfego. Projetada em três camadas, a cidade tinha o nível da rua reservado para cavalos e charretes, como uma “zona comercial”. O nível superior era exclusivo para pedestres, e o subterrâneo era perpassado por uma rede de canais conectando os porões das edificações.
A cidade ideal de Da Vinci era uma cidade inteligente séculos antes do termo entrar em voga – mas não passou disso, uma idealização que inspirou intervenções em uma ou outra cidade. Muitas das ideias do gênio italiano só foram implementadas pelos modernistas – não por acaso, outro movimento surgido na esteira de experiências traumáticas: a Primeira Guerra Mundial e a ainda mais letal pandemia de gripe espanhola. Até lá, as doenças – e a tentativa de evitá-las – seguiram como um dos motores das ideias e ações humanas sobre o espaço urbano. Para conferir matéria completa, Vale o Clique!
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