Início dos anos sessenta. Morava num barracão de fundos na Av. Araguaia, perto da Praça Cívica.
Fazia o primeiro ano ginasial no Ateneu Dom Bosco.
Meu pai trabalhava como contador numa empresa de seguros no edifício do antigo Banco Lar Brasileiro, na Goiás com a rua 2. À noite, dava aulas na Escola Técnica de Comércio de Campinas. Minha mãe, para ajudar nas finanças, fazia salgadinhos e doces por encomenda dos conhecidos e dos amigos dos conhecidos. Eu era, na maioria das vezes, o entregador das encomendas.
Goiânia era uma cidade muito tranqüila, fácil de andar e se localizar. Não havia a insegurança de hoje. A cidade, embora crescendo em ritmo acelerado, ainda não chegara aos 200 mil habitantes. Algumas vezes botava-me um dinheiro na mão e mandava-me fazer compras, quase sempre no Mercado Central – na sua localização original, ali onde hoje está o Partenon Center. Eram duas entradas principais, uma pela rua 6, outra pela 7.
Uma dessas vezes deu-me uma nota de cem, cem cruzeiros – isso mesmo! – e uma lista de 3 ou 4 coisas para comprar. Evidente que não me lembro mais, talvez farinha de trigo, açúcar refinado e manteiga. E lá fui eu. Ou descia um pouco a Araguaia e depois pegava a 6, ou descia direto pela rua 7. Qualquer caminho dava em uma das duas entradas. E em qualquer dos dois encontraria pessoal da turma. Dito e feito. Meia hora de brincadeira.
Depois, preocupado com o tempo, peguei o caminho. Tendo caminhado alguns passos botei a mão no bolso e… cadê a nota? Um temor, aquele frio na espinha, suava. Tinha perdido o dinheiro, a nota de cem. Só de pensar voltar pra casa e enfrentar a D. Cândida: e as compras? Como? Perdestes o dinheiro?
Por uns segundos fingi não acreditar – sabe aquela de: isso não está acontecendo comigo! – e continuei caminhando. Caí em mim. Comecei a choramingar. Entretanto tinha chegado até a esquina da 7 com a rua 3. Do outro lado, a Mercearia Imperial, dos irmãos Martins. Elias e Diamantino, amigos dos meus pais. Atravessei a 3. Chorava feito menino, menino de 11 anos.
Entrei. Perguntaram o que tinha acontecido. Preferia que me tivesse machucado pra valer. Chorar pela perda do dinheiro… Logo o Sr. Elias me disse com voz firme: não é motivo para choro! Toma aqui uma nota de cem e vai lá fazer as compras. Depois acerto com o teu pai.
Saí correndo. Toneladas mais leve, quase flutuando. Num piscar de olhos estava no mercado. Fiz as compras, corri para casa e entreguei-as para a D. Cândida. Ufa!
Fico na dúvida de ter voltado à mercearia do Sr. Elias para devolver a nota de cem. Pensando bem, acho que ele nunca falou nada para meu pai.
António Manuel Corado Pombo Fernandes janeiro.2011
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