Na semana passada, Paulo Mendes da Rocha anunciou a doação de todo o seu acervo de projetos à Casa da Arquitectura, instituição portuguesa com sede em Matosinhos que se dedica a manter a exibir coleções de arquitetura. A notícia foi divulgada na data pelo ArchDaily e causou comoção entre arquitetos, docentes, pesquisadores e instituições brasileiras – em especial a FAUUSP, que lamentou a decisão de Rocha.
Como resposta, Nuno Sampaio, diretor executivo da Casa da Arquitetura, anunciou, em carta aberta, a intenção de estabelecer protocolos de colaboração institucional com entidades brasileiras a fim de promover o acesso ao referido acervo e incentivar o intercâmbio entre as duas comunidades.
Em solidariedade à decisão de Rocha, artistas, arquitetos e curadores assinaram uma carta-manifesto, publicada na noite de ontem. Leia-a na íntegra:
Um abraço no Paulo
O arquiteto e professor Paulo Mendes da Rocha nos convida a refletir se em uma pirâmide “é a pedra ou a ideia que estão lá há mais de 5 mil anos. São as pedras ou as ideias que duram mais?”
Sua decisão pessoal de doar o acervo de documentos para a Casa da Arquitectura em Portugal – que garantirá sua preservação e acesso público e gratuito aos documentos – nos indica este caminho: em nosso mundo integrado e de comunicação instantânea o que deve ser reconhecido e preservado são as ideias e deverá ser o conjunto do conhecimento que nos conduzirá ao futuro.
Para além do respeito à liberdade para escolher o destino de seu acervo pessoal, entendemos que é fundamental e urgente, nesse momento, rememorar a sua rara trajetória de exemplo, resistência e humanidade na vida profissional, na docência e nas suas posições políticas.
Muito antes de o tema da colonização ser colocado no centro das discussões, como tão pertinentemente tem sido nesses tempos, Paulo já se manifestava quanto aos problemas advindos da sua persistência entre nós.
Muito antes de a crítica internacional contemporânea investigar a urbanização e a desfuncionalização dos edifícios, Paulo já se inseria em uma tradição democratizadora da arquitetura brasileira de construir os “Espaços significativos sem nome”, como definiu Flávio Motta.
Muito antes desses tempos duros que hoje vivemos, Paulo viveu a cassação, junto a Artigas, Maitrejean e tantos outros, viu interrompida sua presença na FAUUSP, e soube a ela retornar e ressignificar sua atuação docente e a própria Escola nos anos de reconstrução democrática.
Chega esse momento em que decide lançar suas ideias ao mundo, com o mesmo vigor e a mesma imaginação generosa e democrática de sempre. Para ampliar o mundo de todos, em todos os lugares do mundo. É um gesto grande, que não diminui a importância de todas as instituições brasileiras, que tanto vêm sofrendo em um momento triste de desmonte cultural no Brasil. O esforço para salvaguardar sua obra pode ser entendido como parte da resistência contra esse desmonte.
Por tudo isso, manifestamos nossa confiança no acerto da sua decisão por tudo o que ele já decidiu certo na vida e que o depósito do seu acervo na Casa de Arquitectura é uma ação civilizadora, que supera questões históricas, estreitando de forma desejável as relações supranacionais (e do universo lusobrasileiro), como projeto de um mundo melhor e mais justo para todos.
Terminamos tomando emprestada de Flavio Motta uma apresentação do Paulo, escrita há quase 50 anos, e ainda tão atual.
“Paulo Mendes da Rocha se atira contra esse imobilismo [do homem diante das coisas] com ganas de artista, brasileiro, arquiteto que é. Ele ainda nos permite estas investidas na medida em que interessam ao homem. Não só permite, mas instiga, inclusive além fronteiras, menos por Geografia, mais por História, à procura de um tempo que não foi perdido, mas tirado.” – Flavio Motta, em Textos Informes, 1973
Para conferir as arquitetas e arquitetos que subscreveram a carta em apoio a Paulo Mendes da Rocha, Confira!
Via ArchDaily
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